quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Por que Armarinhos?

A filosofia dos armarinhos foi batizada numa conversa com um bom amigo, o escritor Milton Hatoum. Em uma de suas visitas à Santos investigávamos um pouco das nossas raízes árabes, aquela busca de tentar se conhecer um pouco no outro. No meio do papo veio a imagem dos nossos avós, postados atrás de seus balcões, proseando sobre qualquer assunto com os clientes que se animavam a invadir suas lojinhas. De chinelo de dedo a vassouras, passando por graxa de sapato e resistência de chuveiro, os antepassados se viravam bem rápido. Brinquei com o Milton e disse que éramos representantes desta filosofia. Não negamos uma missão e tentamos dar conta do que vai se empilhando nos nossos balcões.
Armarinhos era o nome dado a estes comércios que tinham um pouco de tudo, só não valia o cliente sair sem um dedo de prosa, parece até uma livraria.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

A fuga das galinhas.

Esta história que vou contar se passou em 2004, por aí. A livraria Iporanga era a única loja aberta naquele complexo erguido nos anos 50, que tinha como carro-chefe o Cinema Iporanga.

Na sua última década, que foi entre os anos de 94 e 2004, o time de lojas era o seguinte: Choperia Zero grau, já decadente, pintada toda de branco, parecendo uma policlínica (mais divertida, é claro), mas com chope honesto. O Zé Panqueca, lanchonete que recebia uma fauna engraçada, eu inclusive. E a poderosa Drogaria Iporanga, vizinha de parede com a nossa livraria e com a mesma idade, nascida nos idos de 54.

O cinema também estava lá, com seus funcionários à moda antiga, que usavam brilhantina nos cabelos brancos e faziam uma fézinha com o apontador do jogo do bicho, que ficava no boteco da outra esquina (aliás ainda fica, vou jogar qualquer dia).

Na realidade este mix de lojas resistiu até 2001, quando, uma a uma, foram fechando e deixando buracos na fachada do cinema. Primeiro foi o cinema, depois a choperia, as panquecas e, por fim, droga! A drogaria se foi.

Nestes últimos 3 longos anos eramos a única luzinha naquele elefante branco. Nos rotularam de heróis, de malucos e até de "Os irredutíveis Gauleses". Não éramos nada disso, apenas queríamos recomeçar a nossa história em outro local. Abandonando o espaço não teríamos como abrir outra livraria, então ficamos.

Em 2004 acabou. Fizemos um grande bota-fora, que foi um sucesso entre os aficcionados. Em quinze dias vendemos todo o nosso estoque e seguimos a vida. Eu levantei uma grana e abri a Realejo, uma livraria com música e birita, o que me parece um paraíso (se não houvesse os boletos), mas vamos querer tudo?

E a "Fuga das galinhas"? Não é um desabafo por termos ficado até o apagar das luzes, nem uma crítica aos nossos vizinhos. Na pressa ou por descuido, ficou para trás esquecido o cartaz desta animação pendurado por todo o tempo bem em cima da nossa livraria. Várias pessoas perguntavam: por onde eu entro para assistir ao filme?

terça-feira, 7 de abril de 2009

Como me tornei livreiro ou a desorientação vocacional

Isto se passou em 1990 e eu estava com 18 anos, sem dinheiro no bolso e com vontade de fazer uma faculdade. O plano era simples: arranjar um emprego que ajudasse nos custos do curso de Arquitetura. Para isso reuni as minhas referências, que eram uma pasta cheia de bicos de pena e alguma cara-de-pau. O resto era chute.

Visitei e preenchi fichas de emprego em lugares que me pareciam legais. Locadora de filmes, loja de departamentos (não é legal, mas era caminho), loja de foto (putz), agência de publicidade e até numa livraria chamada Iporanga. Em todos os lugares deixei um telefone de uma vizinha meio coroa, com alguma boa vontade, mas um tanto distraída, como já vou explicar.

O telefone depois de uns dias tocou e a vizinha deu um recado um tanto truncado - disse que o Zé Preto, ou será Zé Alfredo, Zé Pedrinho? Bah! Um tal Zé-não-sei-o-quê ligou para você e disse para que o procurasse. Aí eu disse: mas daonde é este homem? Ela: deixa de ser braço-curto menino, eu, na sua idade...

A fase seguinte foi a da aceitação - agradeci a minha querida vizinha e saí ao encontro do meu futuro emprego, caminhando sem muita pressa.

Em algumas lojas eu fazia mais drama, perguntava, esperava e necas de vaga. Em outras já perguntava negando, já praguejando com a vizinha, sabendo o que viria pela frente. Deixei por último aquela livraria, a Iporanga.

Aquela livraria era simpática, me salvou de uma surra pós matinée no cine Roxy, quando corri para o fundo da loja num ato estratégico, além de me nutrir de HQs do Flash Gordon. Estava no caixa um cara meio novo, de óculos e um jeito de boa praça. Cheguei e repeti o mantra dos desempregados. Expliquei o caso do recado em marciano, arrancando um muxoxo e uma risadinha. E não é que o Luigi me deu o emprego? Falou que não precisava exatamente de mais um funcionário, mas lembrou que tinha dito algo sobre gostar de ler, que sou filho de professora e era desenhista. Começa amanhã.

Comecei, e entrei para a faculdade que só durou 1 ano para mim. Virei sócio da Iporanga e me esqueci da história da vizinha.

Num botequim uns 5 anos depois conversávamos, eu e o Luigi - outro desligado - quando vem de volta o causo da minha chegada. O Luigi: mas que história a sua, hein Zé? Por quê? Pô, você não lembra como foi a coisa toda? Falei: lembro, eu retornei à livraria meio perdido depois de procurar por todos os lados um emprego prometido não sei por quem. Então - disse ele - na sua primeira visita estava comigo no caixa o Armandinho, que foi com a tua cara e me pediu o telefone. Eu: não me lembrava... nem podia eu não o conhecia.

Pois é, o Armandinho estava à procura de um garçom para o seu bar, o ZÉPPELIM!

Parece papo de bar, e até era, mas é tudo verdade.